Crítica | GOAT: O poder está no sangue em mais uma obra-prima de metáfora e simbolismo de Jordan Peele

Jordan Peele fez de novo. “GOAT” não é apenas mais um filme de terror psicológico com pitadas de sátira social; é um mergulho em símbolos, metáforas e obsessões culturais que transformam uma história sobre esporte em um épico perturbador sobre fé, idolatria e poder. Leia a crítica completa:

Do primeiro minuto até o último, Justin Tipping, diretor do longa, e o produtor Jordan Peele, não dão respiro ao espectador, cada cena é carregada de tensão, ironia e uma boa dose de sangue, literal e simbólica.

E falando em sangue, ele é a chave da narrativa. Está presente na paleta visual, dominada por vermelhos intensos que contrastam com cores complementares, e também na construção metafórica da história. O sangue é vida, sacrifício, herança, pacto. Peele usa essa simbologia como se fosse tinta em uma tela: cada gota tem um sentido maior dentro da trama.

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Imagem: Universal Pictures Brasil

O prólogo já deixa claro para onde o filme vai nos levar. Conhecemos o pequeno Cameron Cade, ainda criança, sentado na sala da família, com os olhos vidrados na TV. Na tela, Isaiah White (Marlon Wayans), o lendário quarterback dos Saviors, disputa um dos jogos mais importantes da temporada.

Ao redor do garoto, a família vibra e torce como se estivesse numa missa, e Peele faz questão de reforçar esse paralelo religioso. O detalhe da parede atrás da televisão é genial: pôsteres, velas, objetos do time, tudo montado como um altar, transformando o esporte em religião e o ídolo em divindade.

Essa sequência inicial é mais do que contextualização: é a gênese de Cameron. Ali entendemos como o fascínio pelas figuras de poder se infiltra desde cedo, moldando sonhos e destinos. A criança não apenas admira Isaiah; ele quer ser Isaiah. Quer ser o GOAT, o “Greatest of All Time”.

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Imagem: Universal Pictures Brasil

Cameron cresce e cumpre o que parecia ser o destino inevitável: virar um dos quarterbacks mais promissores da sua geração. Mas quando o sucesso está ao alcance das mãos, ele sofre um ataque brutal. Em um campo de treino vazio, uma figura mascarada, representando o bode-mascote do time, surge com um martelo e acerta sua cabeça.

O golpe deixa uma lesão cerebral que ameaça sua carreira inteira.

O detalhe do curativo é uma das sacadas mais simbólicas do filme: grampos metálicos fechando a ferida, lembrando as costuras de uma bola de futebol americano. A mensagem é clara: o corpo de Cameron não é só dele, é parte do espetáculo, um objeto de consumo costurado para entreter.

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Imagem: Universal Pictures Brasil

Quando tudo parece perdido, surge a figura messiânica, Isaiah White. Interpretado com maestria por Marlon Wayans, o lendário octacampeão convida Cameron (Tyriq Withers) para treinar em seu centro exclusivo, localizado em pleno deserto. O espaço, moderno e minimalista, funciona como um templo tecnológico, um santuário do corpo e da mente.

Ali, cada detalhe da arquitetura reforça a ideia de poder, vigilância e submissão.

Dividido em dias, o treinamento se transforma em um ritual – o que mais é contado em dias em histórias bíblicas? Cameron é colocado diante de provações físicas e psicológicas, quase como se fosse um discípulo à beira de um batismo sombrio. E Peele costura cada uma dessas etapas como parábolas modernas, sempre cheias de tensão e desconforto.

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Imagem: Universal Pictures Brasil

O coração de “GOAT” é a análise da idolatria. O filme escancara como os fãs, a mídia e até os próprios atletas alimentam uma máquina que transforma ídolos em deuses e seguidores em fiéis. Peele exagera propositalmente alguns elementos para reforçar o absurdo dessa devoção: há cenas em que o corpo de Cameron é quase venerado, como se fosse uma escultura viva a ser moldada para o sacrifício.

As sequências sensuais, sempre na medida certa, ampliam essa ideia da carne como objeto de culto. Não se trata apenas de esporte, mas da exploração estética do corpo perfeito: músculos, suor, cicatrizes, tudo enquadrado como ícones de adoração.

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Imagem: Universal Pictures Brasil

Visualmente, o filme é um espetáculo. A direção de arte cria ambientes que parecem sempre carregados de significados ocultos. O vermelho domina, mas sempre em contraste com o branco asséptico dos corredores do centro de treinamento ou com o preto das roupas cerimoniais de Isaiah. O bode-mascote, representação literal do GOAT, é uma figura recorrente: está em esculturas, estampas, objetos de cena, até no formato dos refletores que iluminam o campo. Mas afinal, quem quer ser um mascote?

Essa estética reforça o tom religioso. Peele e Tipping constroem um mundo em que esporte, fé e poder se fundem, criando uma atmosfera que mistura culto, show business e seita secreta.

Imagem: Universal Pictures Brasil
Imagem: Universal Pictures Brasil

Outro ponto forte é a maneira como o filme trabalha as relações de poder. Todos os funcionários do centro são brancos, sempre obedientes e servindo em silêncio. Já os pupilos e discípulos próximos de Isaiah são negros, reforçando uma hierarquia que provoca incômodo.

Em uma das cenas mais perturbadoras, um dos súditos brancos se oferece para um sacrifício grotesco, quase como um rito de purificação. É nesse contraste que Peele revela sua crítica social mais ácida.

Julia Fox interpreta Elsie White, a esposa de Isaiah, uma influencer magnética que representa o papel da tentação. Sua presença é marcada por olhares, gestos e frases sussurradas que lembram a serpente no Paraíso, até no figurino. Ela seduz Cameron não apenas com charme físico, mas com a promessa de luxos, fama e prazeres fáceis. É como se fosse a materialização do Diabo oferecendo o mundo em troca da alma.

Essa personagem adiciona uma camada intensa ao filme: GOAT expõe as tentações que cercam qualquer figura de ascensão meteórica. Cameron não luta apenas contra suas limitações físicas, mas contra o desejo de se entregar a uma vida que pode parecer irresistível.

Imagem: Universal Pictures Brasil
Imagem: Universal Pictures Brasil

Marlon Wayans surpreende de maneira impressionante. Conhecido pelas comédias, ele assume aqui um papel sério, intenso, quase monstruoso. Isaiah é carismático e assustador ao mesmo tempo, transitando entre mentor inspirador e figura opressora. É uma atuação que quebra expectativas e dá medo em vários momentos.

Tyriq Withers, como Cameron, entrega uma performance sólida. Talvez não seja a mais memorável do gênero, mas cumpre perfeitamente o que o papel exige: um jovem bonito, atlético, que transita entre fragilidade, obstinação e confusão. Seu olhar perdido em muitas cenas comunica mais do que palavras.

Julia Fox, por sua vez, brilha em momentos estratégicos. Sua presença é quase hipnótica, e Peele a utiliza como símbolo mais do que como personagem de profundidade.

Outro destaque absoluto é a trilha sonora. O filme parece nunca dar silêncio total: a música é constante, como se estivéssemos acompanhando um álbum. As batidas marcam os treinos, os momentos de suspense e até os rituais mais perturbadores. É quase uma liturgia, conduzindo o espectador para dentro daquela espiral hipnótica junto com Cameron.

Tecnicamente, “GOAT” é impecável. A direção sabe conduzir a câmera de forma a criar metáforas visuais em cada cena. Os enquadramentos baixos que engrandecem Isaiah, os close-ups que sufocam Cameron, os ângulos diagonais que sugerem desorientação, tudo é pensado para reforçar a narrativa simbólica. O filme tem início, meio e fim muito bem delimitados, mas sempre deixando espaço para interpretações.

Chegamos então ao clímax, e aqui Peele mostra sua assinatura de gênio no trabalho de Tipping. O desfecho é um espetáculo de metáforas, simbolismos religiosos e revelações chocantes. Sem spoilers, basta dizer que a conclusão amarra perfeitamente os temas de idolatria, sacrifício e poder, deixando o público dividido entre fascínio e repulsa.

“GOAT” é muito mais do que um filme sobre futebol americano. É sobre religião, sobre o culto à celebridade, sobre os limites do corpo e da mente em nome do poder. É sobre o quanto estamos dispostos a sacrificar e sobre como o sistema se alimenta desse sacrifício.

Jordan Peele prova mais uma vez que sabe transformar o entretenimento em reflexão profunda no roteiro de Zack Akers e Skip Bronkie . O filme é tenso, desconfortável e hipnótico, mas também esteticamente belo e narrativamente envolvente.

Se o esporte é a nova religião, “GOAT” é o sermão que revela as sombras por trás do altar. E o mais assustador de tudo é perceber que, apesar de toda a camada fantástica e simbólica, há muito da nossa realidade estampada ali.

GOAT chega aos cinemas nesta quinta, dia 02 de outubro, com distribuição da Universal Pictures Brasil.

Esta crítica foi produzida a partir de uma cabine de imprensa a convite da Universal Pictures Brasil.

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Robson Netto

Robson é o criador do Que Tar. Nascido em Ponta Grossa, a verdadeira capital da Rússia Brasileira. Enquanto não for processado, vai tentar trazer muito conteúdo e informações cheias de humor.

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