Coringa: Delírio a Dois é uma experiência cinematográfica que transcende gêneros, combinando o caos do personagem com a estrutura surpreendente de um musical.
Nesta sequência direta do aclamado Coringa (2019), dirigido por Todd Phillips, o filme explora temas como identidade, aceitação, culpa e desejo através de uma narrativa melancólica e profundamente emocional.
A trama continua a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), agora institucionalizado em Arkham, onde lida com as consequências dos crimes brutais que o transformaram em um símbolo revolucionário em Gotham. O assassinato televisivo do apresentador, interpretado por Robert De Niro no primeiro filme, gerou uma legião de seguidores entre os marginalizados da cidade, que veem no Coringa um mártir na luta contra as elites.
A sequência mostra um Arthur ainda mais fragilizado, física e mentalmente. Sua rotina na prisão é um ciclo de humilhação, em que os guardas zombam dele e trocam favores por piadas.
Phillips e o roteirista Scott Silver conduzem a história com uma visão ousada: Coringa: Delírio a Dois é um musical, mas não no formato convencional.
As canções não surgem por motivos triviais. Pelo contrário, elas são uma manifestação dos delírios dos personagens, especialmente de Arthur e da nova figura central da trama, Lee ou Harley Quinn, interpretada por Lady Gaga. As performances musicais são a expressão de suas mentes caóticas, onde a realidade se mescla com a fantasia.
Harley, que aqui é uma detenta em Arkham, tem uma trajetória diferente da personagem conhecida dos quadrinhos. Em vez de ser uma psiquiatra apaixonada pelo Coringa, ela aparece como uma figura enigmática e complexa, participando de atividades terapêuticas musicais na prisão.
Sua relação com Arthur começa de forma intrigante e rapidamente se transforma em uma dinâmica de dependência emocional e identidade distorcida.
A dualidade entre Arthur Fleck e Coringa é representada visualmente de maneira brilhante pela fotografia do filme: cenas frias e deprimentes quando Arthur está no controle, contrastando com a explosão de cores quentes e vibrantes quando o Coringa toma posse.
O que realmente diferencia Coringa: Delírio a Dois é a forma como a música é integrada. Embora muitos possam ter torcido o nariz ao saber que o filme seria um musical, as canções são tão sombrias e angustiantes quanto os personagens.
As performances de Joaquin Phoenix e Lady Gaga são magnéticas, especialmente nas cenas musicais que, ao invés de trazer leveza, mergulham os espectadores em um abismo psicológico, dando vida à desordem interna dos protagonistas.
Phoenix, mais uma vez, entrega uma atuação deslumbrante como Arthur Fleck. Ele aprimora o que construiu no primeiro filme, apresentando um personagem ainda mais debilitado, tanto fisicamente quanto emocionalmente.
Sua habilidade em expressar tanto o patético quanto o aterrorizante é impressionante. E sim, o Coringa canta. E canta de maneira impressionante, com uma intensidade que torna essas cenas impossíveis de ignorar.
Lady Gaga também brilha em seu papel como Harley Quinn. Sua interpretação é multifacetada, indo além de apenas uma vilã coadjuvante. Sua Harley é uma figura vulnerável, manipuladora e instável, com camadas de profundidade que a distanciam da imagem tradicional da personagem. As cenas musicais, claro, são onde Gaga mais brilha, com uma entrega que combina sua habilidade vocal com a instabilidade emocional da personagem.
Spoiler a seguir:
Um dos momentos mais intrigantes do filme é a revelação de que Harley Quinn mentiu para Arthur Fleck sobre sua verdadeira origem e os motivos de sua presença em Arkham. Inicialmente, ela se apresenta como uma detenta comum, presa por delitos menores, mas a verdade vem à tona quando sua rica família e seu histórico como especialista em psicologia são revelados.
Ela se internou voluntariamente no asilo para se aproximar de Arthur, movida por uma obsessão e fascínio pelo Coringa. Esse detalhe altera significativamente a dinâmica entre os dois personagens, reforçando a tensão de poder e manipulação em sua relação. Quando Arthur a confronta, o filme faz um excelente trabalho em confundir o público, já que a justificativa de Harley é tão envolvente e emocional que até o espectador é levado a acreditar em suas palavras.
Essa manipulação é um reflexo direto da profundidade psicológica que o filme busca explorar, destacando o quanto a identidade e a verdade são fluidas na mente dos protagonistas.
No entanto, nem tudo no filme é perfeito.
A narrativa em torno do julgamento de Arthur, que deveria ser o ponto central da trama, por vezes é confusa e perde o foco. As cenas no tribunal, por exemplo, poderiam ter sido mais coesas. Apesar disso, uma das melhores sequências do filme acontece nesse contexto, durante a performance da música “The Joker“, que combina o caos do julgamento com a mente perturbada de Arthur em uma cena musical que beira o sublime.
Embora o filme seja marcado por momentos de intensidade e brilho artístico, ele pode não agradar a todos.
Aqueles que não são fãs de musicais talvez achem a experiência desafiadora, mas para os que derem uma chance, Coringa: Delírio a Dois oferece uma visão única e poderosa sobre loucura, amor e a busca por identidade. Mais do que uma continuação direta, o filme é uma entrega visual e sonora que nos leva ao interior de mentes perturbadas, utilizando a música como veículo para o delírio.
Ao final, o filme deixa claro que não é apenas sobre Coringa e Harley Quinn, mas sobre Arthur Fleck e sua incessante luta interna. Embora a personagem de Lady Gaga tenha seu momento, ela é mais uma coadjuvante no palco principal que pertence a Arthur e seu alter ego. Coringa: Delírio a Dois navega com maestria pelas águas turbulentas da identidade, explorando a sombra oculta que habita em cada um de nós.
O desfecho, embora previsível em algumas partes, oferece um vislumbre perturbador do que acontece quando a realidade e a fantasia se misturam, criando uma obra que ressoa por muito tempo após o término dos créditos.
Com atuações impecáveis, direção ousada e uma abordagem inovadora para o gênero, Coringa: Delírio a Dois é uma produção perturbadora e hipnotizante, que continua a elevar a mitologia em torno do vilão mais icônico de Gotham.
Coringa: Delírio a Dois estreia nos cinemas no dia 03 de outubro.
Esta crítica foi produzida a partir de uma cabine de imprensa a convite da Warner Bros. Pictures.