Aspas, figurinos híbridos e estética pulp: Emerald Fennell transforma O Morro dos Ventos Uivantes em uma adaptação erótica, irônica e polêmica do clássico de Emily Brontë.
A chegada do trailer de “O Morro dos Ventos Uivantes”, dirigido por Emerald Fennell, trouxe mais perguntas do que respostas.
O detalhe que mais chama atenção é o uso de aspas no título oficial, algo incomum, que imediatamente despertou curiosidade. Longe de ser apenas uma questão gráfica, as aspas funcionam como declaração de intenções: esta não será uma adaptação fiel de Emily Brontë, mas uma obra autoral que dialoga com o romance ao mesmo tempo em que se distancia dele.
Assista ao trailer aqui:
Aspas como marca de estilo
A escolha de incluir aspas no título é vista por muitos como uma ironia visual. Alguns fãs no Reddit compararam o efeito a títulos de filmes antigos que usavam o recurso para sugerir escândalo, transgressão ou exagero. O detalhe, por sinal, torna o longa o único da Warner Bros. na atual temporada a apresentar esse tipo de pontuação.
Não se trata de acaso, mas de uma forma de indicar ao público que o filme está consciente de sua própria condição de releitura.
A tipografia do cartaz também não passa despercebida: segundo observadores, ela remete a versões passadas da obra no cinema, como as de 1920 e 1958, ambas com logotipos da mesma tipografia e um deles acompanhados por aspas. A estética reforça a ideia de que Fennell não apenas revisita Brontë, mas também o próprio histórico de adaptações da história.

Teorias de fãs e interpretações das aspas
Nas redes sociais, teorias ganharam força. Uma das mais discutidas sugere que a obra está sendo construída como um “romance pulp erótico dos anos 1970”, com estética campy, exagerada e até debochada.
O pôster e o trailer, de fato, lembram capas de livretos sensuais vendidos em bancas de jornal da época, desde o tipo de fonte até a composição visual.
Outra leitura é ainda mais ousada: o figurino mistura elementos da era da regência (século XVIII) com trajes vitorianos do século XIX.

PREPARE-SE:
Essa fusão pode indicar que a personagem de Margot Robbie não é Catherine, mas sim uma mulher vitoriana lendo o livro e projetando sua imaginação sobre a trama. Nesse caso, o filme assumiria uma camada metalinguística, não seria O Morro dos Ventos Uivantes, mas sim a visão de alguém sobre o livro.
Há também quem defenda que a ironia das aspas serve para reforçar o caráter de delírio e exagero. O romance de Brontë, lembrado por sua atmosfera obsessiva e por personagens emocionalmente instáveis, já foi descrito por fãs como “horny, obsessivo e enlouquecido”. Para esse grupo, a adaptação de Fennell apenas intensificaria algo que já estava nas entrelinhas.
Erotismo e distanciamento do texto original
O trailer evidencia uma abordagem fortemente erótica, com closes sensoriais em alimentos, toques insinuados e uma tensão sexual latente entre Heathcliff (Jacob Elordi) e Catherine. Essa decisão contrasta com a leitura tradicional do livro, que, embora trate de paixão e obsessão, não é sexual em sua essência.
Essa guinada conecta-se também ao debate sobre a escolha de elenco. Heathcliff, descrito no romance como um personagem de origem racializada e constantemente discriminado por isso, será interpretado por Elordi, um ator branco.
A decisão gerou acusações de “whitewashing” e apagamento de um aspecto central da obra. Em defesa, a diretora de elenco Karmel Cochrane declarou que “é apenas um livro” e que “é tudo arte”. A fala reforça que a produção não busca fidelidade, mas sim autonomia criativa.
Um legado de infidelidade
Ao longo da história do cinema, O Morro dos Ventos Uivantes nunca foi adaptado de forma totalmente fiel.
O filme de 1939, de William Wyler, optou por excluir toda a segunda parte do romance, concentrando-se apenas no drama romântico entre Heathcliff e Catherine. Foi justamente essa liberdade que garantiu sua aclamação e sua permanência no cânone clássico.
Em 1992, Peter Kosminsky tentou seguir fielmente o livro, incluindo a segunda geração, mas recebeu críticas por condensar demais a narrativa. Já em 2011, Andrea Arnold trouxe uma adaptação atmosférica e visceral, que destacou a relação entre os personagens e a natureza. Foi também a primeira versão a escalar um ator negro, James Howson, para interpretar Heathcliff, algo elogiado por dar mais coerência ao texto original.
Nesse contexto, a versão de Fennell se insere em uma tradição de experimentação. Sua infidelidade não é exceção, mas sim a manifestação mais explícita de uma liberdade que sempre acompanhou o título nas telas.
Entre homenagem e provocação
As aspas no título, a mistura de figurinos e a estética pulp funcionam como múltiplos sinais de leitura. Para alguns, são uma homenagem ao legado cinematográfico da obra, que nunca se limitou ao texto de Brontë. Para outros, é um gesto de provocação que joga luz sobre os limites entre adaptação e apropriação.
O debate, no entanto, parece fazer parte da própria estratégia de Emerald Fennell. Conhecida por explorar temas de sexualidade, desconforto e ironia em Promising Young Woman e Saltburn, a diretora constrói aqui mais um filme que não se propõe a agradar de forma convencional, mas sim a dividir opiniões.
Uma obra auteur
“O Morro dos Ventos Uivantes” de Emerald Fennell deve ser entendido menos como adaptação e mais como projeto autoral.
A cineasta se apropria de um título clássico para construir uma experiência independente, que dialoga tanto com o romance de 1847 quanto com sua própria visão estilizada do cinema.
A obra não busca se encaixar na tradição gótica ou romântica, mas se insere em um espaço híbrido: parte ensaio cinematográfico, parte provocação estética. As aspas, nesse sentido, são o resumo perfeito do gesto artístico de Fennell: não é O Morro dos Ventos Uivantes, mas “O Morro dos Ventos Uivantes”.
Qual é a sua teoria?
Enquanto temos somente um trailer e declarações para especular, aguardamos pela estreia da produção, marcada para fevereiro de 2026 nos cinemas pela Warner Bros. Pictures.